Às 7h12 de domingo (25), o professor Ronny Brito postou uma foto dentro do ônibus em que viajaria, com outras 30 pessoas, para a cidade de Antônio Cardoso, no Centro-Norte do estado. “Mais uma viagem, que Deus nos abençoe e nos proteja de todo mal”, escreveu, marcando o perfil da Fanfarra do Educandário Oliveira Brito (Faeob). Era um costume do mór - ou comandante - da equipe.
Na foto – uma selfie –, estava acompanhado de outros integrantes da Fanfarra do Educandário Oliveira Brito: Rodrigo Carvalho Santos Brandão da Silva, 38 anos, Rafael José Silva Souza, 26, e Marcos Silva Brito, 37, o maestro do grupo. Cada um seguia com seus sonhos, com sua paixão pela música. Poucas horas depois, os três companheiros da foto estavam mortos.
Ao todo, seis pessoas morreram em decorrência de um acidente entre uma carreta e um ônibus escolar na manhã de domingo, no KM 382 da BR-116, nas imediações de Santa Bárbara, no Centro-Norte da Bahia. A morte de Marcos, o maestro, foi confirmada pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) na manhã desta segunda-feira.
Ele chegou a ser levado para o Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), em Feira de Santana, mas não resistiu. Além disso, pelo menos 25 pessoas ficaram feridas e foram encaminhadas a hospitais da região – incluindo o professor Ronny, que teve uma perna amputada.
Dos mortos, cinco eram integrantes da fanfarra: também não resistiram Fernando Andrade de Almeida, 29, e Jeferson Conceição dos Santos, 30. A sexta vítima foi o motorista do caminhão (placa BSW-5890, licenciado de São Paulo), Eurides Cardoso, 63 anos.
Desde domingo, a Secretaria da Segurança do Estado (SSP-BA) já tinha informado que, segundo testemunhas, a colisão teria sido causada por uma tentativa de ultrapassagem por parte do caminhão. Assim, a carreta bateu de frente com o ônibus escolar da prefeitura de Euclides da Cunha, que transportava músicos da fanfarra daquela cidade.
Nessa segunda-feira, a SSP e a Polícia Civil confirmaram a versão ao CORREIO, mas reforçaram que existe um inquérito conduzido pela 15ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Serrinha). O motorista do ônibus, cujo nome não foi divulgado, ainda não foi ouvido.
▬ EX-ALUNOS
À exceção de Marcos, o maestro, que era servidor do Educandário, todas as vítimas fatais que estavam no ônibus eram ex-alunos da escola. Eles saíram de Euclides da Cunha logo cedo, no domingo, e percorreriam quase cerca de 250 quilômetros até Euclides da Cunha. A Secretaria da Educação do Estado (SEC) lamentou, em nota, o falecimento do servidor e dos egressos.
Criado em 1963, o colégio é o maior da cidade. A fanfarra existe há pelo menos 20 anos. Esse era praticamente o tempo em que o maestro Marcos esteve no grupo.
Ele próprio ex-integrante da fanfarra, Leandro só conseguiu deixá-la anos depois de ter concluído o Ensino Médio. Entrou aos 9 anos, em 1999, e saiu no fim do ano passado. Ainda chegou a fazer algumas apresentações em 2018, quando havia necessidade. Por lá, era assim: quando o negócio apertava, os ex-alunos voltavam para ajudar o grupo.
Nesse período, se tornou amigo de Marcos e de outros. Foi assim que viu o esforço que o maestro fazia para manter a organização viva. Não foram raras as vezes em que o professor de música tirava dinheiro do próprio bolso para investir no que a fanfarra precisava. Com isso, ajudava jovens e adolescentes da região.
“O objetivo de Marcos sempre foi tirar o pessoal da exclusão, desse mundo das drogas, para mostrar alternativas. Inclusive, existem muitas pessoas que ele conseguiu ajudar”, diz Leandro. Marcos também comandava um grupo de flautas numa região carente da cidade. Ele deixou dois filhos.
Uma dessas pessoas seria Jeferson, segundo o recepcionista. Conhecido na cidade como Nego Dé, ele trabalhava como segurança em uma agência dos Correios. Jeferson era casado, tinha um filho e era membro do coral da Igreja Católica da cidade.
Fernando, por sua vez, era o responsável pelo trompete na fanfarra. Chegou a trabalhar em São Paulo, em filarmônicas e até em uma emissora de televisão. Depois, resolveu voltar a Euclides da Cunha. Na cidade, decidiu ajudar a fanfarra. Tinha retornado à cidade há poucos meses.
Rodrigo trabalhava no Hospital Português de Euclides da Cunha. A instituição emitiu uma nota de pesar e deixou "os mais sinceros sentimentos aos familiares e amigos, diante da perda deste ser humano íntegro e profissional dedicado e competente". Era casado e deixou uma filha pequena.
Rafael, também casado, era percussionista. Por conta da experiência com a fanfarra, também se profissionalizou como músico e tocava na banda Trinta70. Além disso, era recepcionista no Hotel Central, assim como Leandro, o ex-colega de fanfarra.
“Ele estava muito animado com a viagem”, revelou o colega. Todos tinham a mesma relação com a fanfarra. “A gente sai, mas quando vê que o grupo está enfraquecendo, para não deixar morrer, a gente volta”, completou Leandro.
Todos foram sepultados na tarde desta segunda, no cemitério municipal da cidade. Durante o enterro, integrantes veteranos da fanfarra fizeram uma homenagem às vítimas do acidente.
Em nota divulgada em seu perfil no Facebook, a direção e o corpo docente do Educandário Oliveira Brito disseram estar “em estado de choque e estarrecidos”. "Rafael, Rodrigo, Jeferson e Fernando, alunos egressos que dedicavam um pouco de seu preciso tempo para colaborar com a fanfarra, que eles tanto amavam", dizem.
Eles dizem ainda que o maestro Marcos dedicou boa parte de sua vida ao grupo musical. As aulas na instituição foram suspensas nessa segunda (26) e na terça-feira (27), em virtude do acidente. As atividades serão retomadas na quarta-feira (28).
▬ NUNCA SOFREU ACIDENTES
Na condução da carreta, o motorista Eurides Cardoso fazia um percurso contrário. Ele seguia do Sudeste – mais especificamente, de Conchal, município de 25 mil habitantes no interior de São Paulo – para Maracanaú, no Ceará. Ele pilotava um caminhão caracterizado da empresa Umaflex, que fabrica sofás e colchões, com produtos da companhia.
Era caminhoneiro desde sempre; ou desde que a filha, a fisioterapeuta Eletícia Cardoso, 29, é capaz de lembrar. Pai de três filhos e avô de dois netos, morava em Conchal com a esposa. Passou a vida trabalhando para empresas como a Petrobras e nunca sofrera um acidente.
Há cerca de um ano, se aposentou.
Segundo ela, o pai já era acostumado a andar pelo Nordeste. Em outras épocas, fazia longas viagens, a ponto de ficar mais de uma semana fora, em países como a Bolívia. Tinha sido contratado pela empresa Vinicius de Melo Daniel ME há pouco tempo. Essa empresa, por sua vez, é que tinha sido contratada pela Umaflex.
“Ele sempre foi um pai carinhoso comigo, com minha mãe e irmãos. Sempre foi brincalhão, sorridente. Era um homem com muita paciência. Para a gente, é uma perda muito difícil, porque sempre foi um pai muito presente”, completou a filha.
O corpo de Eurides devia ser transportado para Conchal ainda na segunda. A data do sepultamento ainda não tinha sido definida pela família.
Correio