Quando fazia Teologia Moral, o Padre Márcio Fábrio dos Anjos, ainda na década de 1970, lançou um livro afirmando que no Brasil daquela época se calculava em mais de 1 milhão de abortos ao ano, espontâneos ou induzidos. Até hoje ele é um expert no assunto. Foi minha primeira perplexidade diante do tema.
Quando minha esposa trabalha na Pastoral da Mulher Marginalizada aqui na diocese de Juazeiro da Bahia, alfabetizando crianças filhas de prostitutas, ela me contava as peripécias das prostitutas que faziam aborto por conta própria: tomavam Cytotec, chás caseiros como cabacinhas, quando não introduziam ferros e outros objetos na vagina para extrair restos de fetos, etc. O resultado eram mulheres com infecções, sendo internadas às pressas para fazer a curetagem, quando não acontecia a morte.
Há alguns anos, quando eu estava na equipe da Campanha da Fraternidade Ecumênica sobre saneamento, nos corredores rolava a conversa sobre a qualidade da tubulação nas obras de saneamento. Então, um dos colegas, uma pessoa séria e especialista no assunto me perguntou:
– Você conhece tal e tal cidades?
Eu respondi que sim.
Então, ele disse:
– O maior problema no saneamento dessas cidades é a quantidade de fetos abortados entupindo os esgotos.
Eu devia estar com a cara mais perplexa do mundo quando o terceiro colega que participava da conversa afirmou:
– Isso acontece porque o aborto não é legalizado. Se fosse, as mulheres não teriam que jogar os fetos no ralo dos esgotos”.
Eu devia estar ainda mais perplexo.
Perplexos ou não, o fato é que a discussão sobre a legalidade ou não do aborto não vai afetar a quantidade que é realizado. De qualquer forma, além de um caso moral, por envolver a vida humana, sempre será um caso de saúde pública, nem que seja para fazer a curetagem posterior.
Assim como o sexo, é na intimidade da consciência que as pessoas tomam essa decisão. Além de formar e informar, não há como controlar, o que torna o desafio pastoral para a Igreja muito mais vasto e profundo. Seja legal ou clandestino, o aborto acontece aos milhões, ao ponto de entupir esgotos.
Por Roberto Malvezzi - Gogó