A massa do bolo está pronta, e você acaba de passá-la da tigela para a assadeira usando uma colher. Depois de pôr a receita no forno, você volta para a pia, onde aquele restinho de massa crua, grudada no talher, está te olhando.
Não dá outra. A atração é magnética, quase um caso de amor. Você vai lá e lambe. Não satisfeito com o conteúdo da colher, também raspa a tigela. Hum! Delícia. Gostinho de fermento.
Você não sabe, mas acaba de colocar sua saúde em risco. E não é (só) por causa da salmonela, que pode ser transmitida pelos ovos crus. Um artigo científico revelou que a bactéria E. coli – culpada da maior parte dos casos de intoxicação alimentar – não se reproduz apenas em ambientes úmidos, mas também é fã incondicional de locais secos. Como sacos de farinha de trigo.
A descoberta é resultado de um trabalho de detetive, feito por uma equipe com mais de vinte médicos, cientistas e funcionários de agências de vigilância sanitária dos EUA. Entre dezembro de 2015 e setembro de 2016, eles detectaram, por meio de prontuários hospitalares, um surto de infecções causado por uma linhagem específica da E. coli. Os 56 pacientes, distribuídos em 24 estados, tinham sintomas parecidos: febre branda, dor no abdômen, vômito e diarreia.
Entrevistas detalhadas sobre os hábitos alimentares e marcas favoritas de cada um revelaram alguns pontos em comum: todos eles usavam farinha do mesmo fabricante para fazer bolos, cookies e outras gordices – e todos costumavam experimentar a massa crua durante o preparo. Crianças que foram a restaurantes e receberam pedaços de massa crua para brincar – o que é um hábito nas pizzarias brasileiras – também ficaram doentes.
No laboratório, a análise de amostras dos lotes de farinha usados (oriundos de uma fábrica em Kansas City), das receitas feitas com essa farinha e das fezes dos doentes revelou uma notável semelhança genética entre os tipos de E. coli encontrados – confirmando a conexão.
“É uma nova visão sobre a farinha”, afirmou ao New York Times Marguerite A. Neill, professora da Universidade Brown que não está envolvida no estudo. “É incrível que essa substância seca, em pó, que pode ser guardada na prateleira por meses, poderia conter um microrganismo vivo que não estraga o alimento em si, mas pode deixar o consumidor doente.”
Análises biológicas no prédio da fábrica revelaram que a contaminação não veio de lá – a bactéria já estava alojada no trigo que foi usado de matéria-prima. Como é impossível tratar a farinha em altas temperaturas durante a fabricação – isso afetaria várias de suas propriedades culinárias – a dica é mesmo esperar o bolo assar antes de comê-lo, e deixar seu forno matar as bichinhas antes que elas cheguem no intestino.
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