Com certa frequência, as manchetes mundiais dão destaque à poluição atmosférica que engole as cidades chinesas, transformando o dia em noite e obrigando a população a andar com máscaras de proteção. O Estado de São Paulo também vive um “apocalipse” particular, embora menos notório que no país asiático, o que, não raro, contribui para inobservância do poder público.
A poluição do ar foi responsável por um total de 11.200 mortes precoces no ano de 2015 – mais que o dobro das mortes provocadas por acidentes de trânsito (7867), cinco vezes mais que o câncer de mama (3620) e quase 6,5 vezes mais que a AIDS (2922). Os dados são de um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, divulgado nesta segunda-feira, por ocasião do Dia Mundial da Poluição.
Apesar de nem sempre visível a olho nu, a ameaça é real: passar pelo menos duas horas exposto ao trânsito na capital equivale a fumar um cigarro, diz a pesquisa. Para o estudo, os pesquisadores fizeram uma releitura inédita do Relatório de Qualidade do Ar 2015 da CETESB, Qualidade do Ar no Estado de São Paulo Sob a Visão da Saúde” segundo os padrões de qualidade de ar recomendados pelo Air Quality Guidelines, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os resultados mostram que a apesar do Estado de São Paulo possuir a melhor e mais precisa rede de monitoramento ambiental de poluição do ar da América Latina, os padrões utilizados para medir a qualidade do ar estão ultrapassados.
A Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, CONAMA 03/1990, que estabelece os padrões de qualidade do ar nacionais em vigor até hoje, foi implementada há 27 anos e, portanto, não reflete os novos conhecimentos científicos sobre o tema.
Segundo o estudo, os níveis dos padrões de qualidade do ar paulistas e nacionais são superiores aos níveis críticos de atenção e emergência determinados por outros países.
É inaceitável que um problema de saúde pública desta dimensão continue invisível”, adverte em nota o Dr. Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Ensinos Avançados da USP e um dos autores do estudo.  Junto de outros pesquisadores, ele propõe a atualização dos padrões de qualidade do ar preconizados pela OMS dentro do menor prazo possível. “Embora não altere a situação do ar, mudar o padrão permitirá entender a real situação para que possamos agir para sanar o problema”, afirma.
Mantendo-se os níveis de poluição do ar no estado como hoje, São Paulo terá 250 mil mortes precoce até 2030 e 1 milhão de internações hospitalares com dispêndio público de mais de R$ 1,5 bilhão, prevê o estudo.
As principais ameaças são as malfadadas micropartículas poluentes PM2,5. Medindo apenas 0,0025mm, elas resultam da combustão incompleta de combustíveis fósseis utilizados pelos veículos automotores ou em termelétricas, e formam, por exemplo, a fuligem preta em paredes de túneis.
Imperceptível a olho nu, o material particulado não encontra barreiras físicas, afeta o pulmão e pode causar asmas, bronquite, alergias e outras graves doenças cardiorrespiratórias.
Com este estudo, visamos alertar sobre os riscos da nossa legislação ambiental de aceitar como seguras concentrações de poluição do ar reconhecidamente lesivas à saúde da população”, alerta em nota a Dra. Evangelina Vormittag, autora do relatório.
Não é por falta de uma qualificada pesquisa científica e informação que isso ocorre em nosso país – o Brasil é um dos países que mais publica sobre o tema no mundo, entre os seis primeiros, entretanto, não conseguiu estabelecer políticas públicas suficientes, que venham controlar os malefícios ambientais para a saúde humana e a diminuição dos gastos públicos em saúde decorrentes”, acrescenta.

Exame