Arthur Maia está em cada gesto de Fernanda Abreu, 27 anos. Com uma camisa do noivo e acessórios que levam o nome do meia, ela tenta se erguer e lidar com a dor da perda.

Onze quilos mais magra, ela tem perdido cabelo e conta que não tem vontade de sair do quarto, enfeitado com lembranças que ganhou de Maia. “Eu morri junto com ele. Me sinto morta por dentro. A luz que tinha aqui dentro se apagou junto com ele. Hoje, eu me vejo sem vaidade”, diz ela, que só sai de casa para ir à terapia e ao centro espírita.

Diariamente é uma luta para sair de casa, é muito raro. Hoje eu acordo e choro. É um desespero tão grande. Dói muito, porque ele era minha fonte de tudo, de amor, de proteção. É como se tivesse amputado parte de mim e eu não consigo seguir sem isso. Várias pessoas estão seguindo suas vidas. Não é que eu não me permito, é que eu não consigo. Uma grande parte de mim se foi”, desabafa.

O encontro de Fernanda e Arthur parecia planejado. Um encontro de almas, como ela diz. Os dois fazem aniversário no mesmo dia e se conheceram quando completavam mais um ano de vida. Apaixonados, iam se casar no civil no início deste ano, quando ele seria transferido para o Japão, onde morariam juntos. A cerimônia religiosa também tinha data marcada: 22 de dezembro de 2017. Mas o sonho foi interrompido pelo acidente aéreo da Chapecoense. 

Já tinha igreja, tudo. A gente estava no momento mais feliz da vida, a gente só falava disso, só sonhava com isso. A gente só falava disso. Eu amo ele mais do que a mim mesma. Não é fácil e nunca vai ser. Pode passar mil anos, que a dor vai continuar. Não desejo isso pra ninguém”, admite.

Mensagens de carinho eram rotina na vida do casal. Até o dia 29 de novembro, acordar era um motivo de alegria para Fernanda. Era. Desde então, o afeto que recebia diariamente se transformou em dor.  


A ligação deles era tão forte, que Fernanda ouviu um chamado de Arthur no dia do acidente. “Ele me ligou da Bolívia e começou a falar coisas lindas. Depois, fui dormir e mandei mensagem pra ele dizendo que meu coração estava sentindo uma coisa estranha. Quando deu 1h, senti ele me chamando. Ouvi um grito: ‘minha vida’. Foi uma coisa que me acordou. Peguei o celular e não tinha nada. As horas passaram e descobri tudo sozinha, na internet. O que me dói é que ele foi para morrer. Ele nem ia jogar. É uma dor que não passa. Ele era muito especial”, chora ao contar.

Quando deu 12h, recebi uma mensagem (automática) do celular dele: ‘Ligue agora’. Fiquei louca, achei que estava vivo, mas confirmou que não tinha mais sobreviventes. Foi muito doloroso, desesperador. Saí de um sonho para um pesadelo. Ele era amor puro”, completa.

Hoje, Fernanda só tem um sonho: reencontrar Arthur Maia. “Não consigo ver uma vida sem ele. Não vai passar. Não penso no meu futuro, meu futuro era ele. Ele me preencheu, não preciso mais viver isso. Não quero outra pessoa. Ele era a minha vida e eu era a vida dele. Vivo por ele agora. Tudo que eu vou fazer de agora em diante, é por ele”, diz ela, que vai criar o projeto Caminhando com Maia para ajudar instituições de caridade. 

▬ LEMBRANÇA 

Em um cômodo da casa, Fernanda ainda guarda uma mala de Arthur Maia, mas ainda não teve coragem de abrir. “Tem o cheiro dele, me machuca muito. Hoje eu não escuto mais música, nem vejo TV. Assisto muito pouco. Não vejo nada de futebol. Não quero mexer mais nessa ferida”, explica.


▬ PEDIDO DE CASAMENTO E CARTA PSICOGRAFADA 

É difícil ouvir Fernanda falar de Arthur Maia sem um brilho nos olhos. Declaradamente apaixonada, ela conta que foi pedida em casamento em junho do ano passado, de forma inusitada.

"Eu estava arrumando a mala, porque íamos viajar, aí Arthur falou: 'amor, olha seu celular aí. Chegou uma coisa pra você'. Eu disse que olharia depois, porque precisávamos ir para o aeroporto. Aí ele sentou comigo no sofá e pediu para que eu visse. Ele mandou uma mensagem pelo WhatsApp, contando toda a nossa história. Lembrando de cada passo. No fim, ele escreveu: 'você aceita se casar comigo, minha princesa?'. Foi lindo. Foram os quatro anos mais felizes da minha vida. Acho que a gente sabia que seria curto, por isso aproveitamos tão intensamente. Eu viveria tudo de novo", declara-se.

"Ele era doido para ter filhos. Depois que Duda, minha sobrinha, nasceu, ele se apegou muito. Ele dizia: 'amor, fico imaginando Dudinha como a nossa filha'. Minha irmã dizia que tinha medo da gente raptar ela. Minha família é toda encantada com Arthur. Hoje Duda me ajuda muito. Quando tudo parece que vai desmoronar, é ela quem arranca um sorriso meu. Ela pega meu celular, vê foto dele e pergunta: 'cadê titio?'. Aí abraça, beija", conta Fernanda, que pretende amenizar a dor da saudade em breve.

"Espero, um dia, receber uma carta dele. Vou atrás disso. Quero ir para o Rio de Janeiro para tentar uma carta psicografada. Tudo que eu puder ter dele, eu vou atrás. É o que vai me ajudar a seguir dia após dia", conclui.


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