Cláudio Cesar Souza dos Santos. Este é o nome que consta no registro de nascimento. No entanto, por ser fã dos personagens de desenhos animados japoneses Jiraiya, Jaspion e Jiban, Cláudio, que é dono de um lava jato no bairro do Tororó e tem 38 anos, entrou na Justiça com uma ação para mudar o nome. Segundo ele, amigos e clientes de seu lava jato já o conhecem como Jiraiya Jaspion.

Já tem um ano e pouco que eu estou tentando mudar, mas agora já está quase tudo certo. O sobrenome Souza é um erro de cartório, eu não tenho ele na minha família. E por amor a esses heróis, eu queria que meu nome fosse Jiraiya Jaspion Jiban César dos Santos, mas acho que vai ser Cláudio Jiraiya Jaspion Jiban Cesar dos Santos”, explica Jiraiya, como gosta de ser chamado. 

A autorização para a mudança do nome já está nos trâmites finais. “Só não mudou ainda porque a juíza não tinha entendido por que eu precisava tirar o Souza, mas eu fui no escritório da defensora (na semana passada) e já está praticamente resolvido. Estou muito feliz, amando mesmo”, afirmou ele, descontraído.

Somente este ano, cerca de 100 pessoas buscaram a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE) para fazer retificações no registro civil. Em 2015, houve 22 atendimentos desse tipo.

Segundo a defensora pública estadual Cristina Ulm, da Especializada de Registros Públicos de Salvador, o aumento na procura se deve a maior divulgação do trabalho da Defensoria, à conscientização das pessoas e ao trabalho itinerante do órgão.

O público tem uma demanda muito grande, tanto de mudança no nome, como de correção de erros que acontecem no cartório”, afirmou a defensora. 

A rigor, o nome civil é algo imutável. Mas a Lei 6.015/1973, conhecida como Lei de Registros Públicos, estabelece a possibilidade de troca em alguns casos, como constrangimento, erros em cartório e até adição de apelido notório. O que pouca gente sabe é que, entre o primeiro dia após completar 18 anos e o último dia antes dos 19, é possível fazer a alteração diretamente no cartório, apresentando um ofício ou petição. 

Foi o que fez, há 26 anos, Ricardo Almeida de Oliveira, 44. No dia em que completou 18 anos, ele procurou um advogado e entrou com uma ação para mudar de nome. “A autonomia da juíza era tão grande que ela mesma concedeu, nem precisou do advogado. Mas mesmo assim ele entrou com a ação”, lembra. Ricardo foi um nome escolhido pelo próprio: antes dos 18 anos, ele se chamava Alcione Almeida Oliveira. “Depois de muita briga e dor de cabeça, eu até gosto da Marrom”, brinca ele.

MARIAS

Dos quase 200 milhões de brasileiros, mais de 11 milhões se chamam Maria – o nome mais comum no país tem 11.734.129 pessoas registradas assim em cartórios, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas Vilma não queria ser Maria. “Era pra ser Isabela, imagine a diferença, mas eu nasci no Dia de Todos os Santos e aí me registraram como Maria. Só que eu nunca me identifiquei com esse nome”, conta Maria, conhecida na cidade de Mairi, onde nasceu, como Vilma Lima Cirqueira, 51 anos. Com ‘i’ mesmo.

Vilma, que também não se lembra como começou a ser chamada assim, tentou mudar de nome. Já maior de 18 anos, conversou com um advogado, reuniu testemunhas que sequer a conheciam pelo nome do registro – ficaram sabendo no fórum – e foi até uma audiência com um juiz. Mas a troca foi negada. “Ficou impregnado na minha cabeça o que a pessoa me disse: eles disseram que Maria é um nome que não envergonha ninguém e que eles poderiam acrescentar o Vilma, mas eu não quis”, conta.

Após os 19 anos de idade, é necessária uma ação judicial que, de acordo com a defensora pública Cristina Ulm, costuma levar, em média, seis meses. “As pessoas não conhecem essa lei e acabam procurando mudar depois. Mas aí tem que passar pelo Ministério Público, por audiência, porque precisa demonstrar para o juiz que ali há um erro, um problema ou um constrangimento. E é comum que os juízes peçam um atestado de um psicólogo dizendo que aquele nome causa traumas”, diz Cristina.

HOMÔNIMOS

A advogada Alane Virgínia Azevedo explica que também é possível mudar o nome em caso de homônimos. “Se o indivíduo está passando por problemas em decorrência de seu nome ser igual ao de outra pessoa, ele pode também requerer a mudança, normalmente inserindo mais um sobrenome do pai ou da mãe”, explica a advogada. 

Ter um homônimo pode causar uma série de problemas – especialmente quando a outra pessoa está envolvida em crimes ou é procurada pela polícia. Além disso, também é possível fazer alterações em nomes de testemunhas de crimes, para proteção, e até para homenagear entes queridos. Nesse caso, dá para inserir o sobrenome de um pai de criação, por exemplo. O que a Justiça avalia é se não acontece o contrário: alguém que tem dívidas ou é procurado pela polícia e que quer mudar o nome para fugir da situação. 

Também é possível substituir o nome por apelidos notórios ou incluir esse apelido no nome, como é o caso de Xuxa, Pelé e Lula. Se o apelido, no entanto, possuir uma conotação ilegal, imoral ou, ainda, estiver vinculado à prática de crimes, é possível que essa modificação seja proibida”, completa Alane Virgínia. De acordo com a tabela da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), uma ação para retificação de registro civil custa R$ 2,4 mil. O valor pode ser alterado de acordo com a experiência do advogado.

PARA SEMPRE

Nem todo mundo que pretende mudar de nome leva o projeto a cabo. A mudança, de acordo com a lei, só pode ser feita uma única vez – ou seja, é definitiva. E implica, ainda, em fazer alterações em todos os documentos pessoais – inclusive o dos filhos. Foi o que motivou a secretária Alini Gomes, 37, a desistir da ideia de retirar a letra “i” de seu nome e substituir pelo “e”. 

Fui até o Ministério Público e, quando fui assinar, me avisaram que eu tinha que trocar todos os meus documentos e o da minha filha. Aí deixei pra lá”, conta Alini. No caso dela, a mudança poderia ser feita no próprio cartório, já que se trata de uma correção de grafia. É o que acontece com nomes como Creusa e Washington: o primeiro, porque a grafia considerada correta é Cleusa; o segundo, por ser um nome estrangeiro e que costuma provocar erros de grafia. 

Segundo a defensora pública Cristina Ulm, é comum que as pessoas desistam da mudança do nome diante da burocracia e da grande quantidade de documentos necessários. “Realmente, são muitos documentos. Se a pessoa for registrada em Salvador, tem que ter certidões negativas dos 23 cartórios de registros, tem que ter certidão e antecedentes criminais, e o nosso público não tem dinheiro para se locomover tanto assim”, diz. 

Para tentar facilitar o processo, a DPE fez uma parceria com a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do estado. Lá, a pessoa pode conseguir toda a documentação necessária indo ao local somente duas vezes. Na primeira vez, faz a solicitação de toda a documentação e depois marca uma data para voltar e receber a papelada.


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