Estamos nos acréscimos de um tenso Brasil 0x0 Alemanha. É a final olímpica do futebol masculino. Em busca do ouro inédito, Neymar sofre falta próximo à área e parte para a cobrança. A bola explode no travessão e cai perto da linha, só que para o lado de dentro. O estádio inteiro enxerga o gol, exceto o árbitro. 

Além de trágica, a narrativa é fictícia, mas seria perfeitamente possível. Seja nas linhas do gol ou de impedimento ou em outros lances capitais, o futebol não utiliza tecnologia para tirar dúvidas nos momentos polêmicos. A Olimpíada Rio-2016 deu uma lição de que o esporte mais popular do mundo está ficando para trás, o que desagrada atletas e também quem teoriza sobre o esporte.

“Esse atraso da entrada da tecnologia no futebol é suficiente para definir o rumo de milhões e milhões de reais”, diz Eduardo Tega, da Universidade do Futebol, instituição que pesquisa a grande paixão nacional. “Se o futebol quer seguir o caminho do profissionalismo, isso tem que mudar. Você dá o seu máximo, tem que convencer o torcedor, a imprensa e os outros clubes. É muita coisa envolvida. E em um lance, você bota tudo a perder”, opina o meia do Vitória Tiago Real.

O Leão, inclusive, sentiu a dor na pele durante a derrota para o Corinthians por 2x1, segunda-feira, em São Paulo. No lance que decretou a virada, o lateral corintiano Uendel recebe a bola em posição duvidosa antes de cruzar para Marquinhos Gabriel fazer o gol que colocou o Vitória na zona de rebaixamento do Brasileirão. O possível impedimento era praticamente impossível de ser visto pelo auxiliar. E mesmo pela TV é difícil cravar.

O que o futebol ainda discute se vale a pena aderir (e como) já é rotina em muitos outros esportes: vídeos, programas de computador para tira-teima e outras tecnologias digitais foram destaques nos Jogos Olímpicos. Esportes como vôlei, basquete, tênis, judô e, especialmente, a esgrima, são prova de que se render ao novo pode dar certo.

A cada ataque dos esgrimistas sobre seus adversários, luzes coloridas acendem nas “armaduras” para indicar a pontuação. São lances tão rápidos que não dá para o olho humano acompanhar. Tanto que, além das luzes, ainda tem o recurso da videoarbitragem. “Hoje em dia, a esgrima é um espetáculo tecnológico. Se você for ver  tem as luzes em tudo quanto é lugar. Na máscara, no chão”, afirmou o esgrimista brasileiro Renzo Agresta, em entrevista ao canal Esporte Interativo.

A modalidade, presente desde os primeiros Jogos Olímpicos da era Moderna, em 1896, é conhecida por ser, historicamente, a que mais está aberta às novas tecnologias. Nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, foi usado o primeiro aparelho elétrico. Antes disso, os árbitros contabilizavam apenas o que viam a olho nu, através de uma votação, para definir a pontuação. O sistema elétrico era feito com “enroladeiras”, ainda usadas hoje para treinos e competições menores - um equipamento com fio conecta o atleta ao aparelho de sinalização.  Hoje, um sistema eletrônico sem fios é ativado por wi-fi. 

▬ DESAFIO
 
Outros esportes tentam recuperar o tempo perdido. No tênis, desde 2007, os jogadores desafiam a arbitragem a rever lances quando se acham injustiçados. O árbitro também pode solicitar o auxílio do vídeo quando ficar em dúvida.


Atualmente, o recurso é utilizado apenas nos torneios maiores, que podem pagar o chamado hawk-eye (olho de falcão) - sistema composto por várias câmeras que enviam imagens para um programa de computador que elabora um gráfico e revela se a bola foi dentro ou fora. O vôlei se inspirou no tênis para, a partir do Mundial de Clubes de 2012, implementar o uso do hawk-eye. No Brasil, convencionou-se chamar o recurso de desafio.

Cada equipe pode desafiar o árbitro pelo menos duas vezes por set. Se o vídeo mostrar que o juiz está certo, a equipe perde um desafio. Se for o contrário, o crédito de desafios é mantido. “É um avanço que todo mundo gostou. Os ataques hoje são de uma violência que o olho humano não acompanha”, disse, ainda em 2014, Fabi, da seleção.

Mas a própria Fabi lembra de um caso que mostra que o desafio é falível. Na partida entre Brasil e Alemanha pelo Grand Prix, em um ataque para fora das alemãs, a bola claramente desviou no bloqueio e o juiz deu ponto para o Brasil. A Alemanha pediu desafio. Mesmo com a imagem evidenciando o toque, a arbitragem não viu e manteve a decisão. As estrangeiras ficaram indignadas.

Lance semelhante ocorreu na final olímpica masculina, entre Brasil e Itália. Após ver a imagem, os italianos reclamaram de um toque sutil no bloqueio brasileiro que o aparato tecnológico não registrou. A arbitragem seguiu a máquina, para desespero dos italianos.

Em esportes como a ginástica rítmica, o desafio pode prejudicar quem discorda da arbitragem. No Pan-Americano de Toronto, em 2015, as brasileiras Angélica Kviecznski (arco) e Natália Gaudio (bola) questionaram as notas que receberam. Em uma nova avaliação, as notas foram modificadas. Só que para menos.

E assim também acontece com o judô, que desde 2012 usa um sistema de vídeos para tirar dúvidas. No ouro de Rafaela Silva, os árbitros analisaram se a brasileira havia puxado uma adversária pela perna, o que é proibido. A dúvida foi tirada: o golpe foi legal.

No caso do futebol, o máximo que se utilizou de tecnologia foi testado na última Copa do Mundo. Um sensor na linha do gol confirmava se a bola havia entrado ou não. O sistema não foi usado na Olimpíada do Rio. Mas, para o especialista da Universidade do Futebol, a resistência da modalidade em se atualizar está com os dias contados. “É inevitável que a tecnologia invada o futebol. Quando a gente se livrar de cabeças retrógradas que estão em cargos importantes, isso vai acontecer”, acredita Eduardo Tega.

A Fifa anunciou, em junho, que Brasil, Austrália, Alemanha, Portugal, Inglaterra e Estados Unidos serão os primeiros países a utilizar um recurso de árbitros assistentes por vídeo. A medida está em fase de testes.

▬ ESGRIMA

A modalidade utiliza alguma tecnologia para aferição de pontos desde a primeira metade do século passado. O sistema atual é todo feito sem fio, através de um dispositivo colocado na ponta da arma, conectado por wi-fi a um sistema elétrico com fios. Na espada e no florete, em que a regra só permite pontuar com a ponta da arma, um sensor acende uma luz no aparelho de sinalização dos pontos quando há o toque. No florete, acende uma luz vermelha e uma verde, a depender do atleta que pontuou. E ainda existe a luz branca, quando o toque ocorre  em uma região do oponente que não vale ponto. Tem também a videoarbitragem, com as mesmas regras do “desafio” do vôlei e tênis.


▬ ATLETISMO

A tecnologia do “photo finish” é usada para dirimir dúvidas relacionadas a quem ganhou a corrida. Como o nome diz, consiste em uma foto da linha de chegada. Através de um computador, essa imagem é dividida em linhas que podem indicar visualmente um intervalo de tempo menor que um milésimo de segundo, o que os cronômetros usados nas provas não fazem.

▬ VÔLEI

O “challenge system” (em português, sistema de desafio) é semelhante ao do tênis. Cada equipe na quadra ou dupla no vôlei de praia tem direito a usar dois desafios por set. Os times poderão pedir o desafio para verificar se a bola caiu dentro ou fora, se o jogador pisou na linha de 3m ou de saque, se houve invasão na quadra adversária, toque do bloqueio na rede ou se ocorreu toque da bola ou do atleta na antena.


▬ GINÁSTICA RÍTMICA 

Um sistema de vídeos é utilizado pela arbitragem para analisar se houve algum erro na atribuição da nota. Mas a mudança do escore só pode acontecer na nota de dificuldade. A execução com a impressão artística não pode ser modificada pela análise do vídeo.


▬ JUDÔ

Os árbitros conversam por meio de um sistema de comunicação e analisam vídeos em situações de extrema dúvida. Em alguns casos, existe a intervenção da comissão de arbitragem. Em vez de três árbitros no tatame, como ocorria antes, o tatame passou a ter apenas um, com outros dois analisando a luta em um monitor.


▬ TÊNIS

Um sistema de câmeras de vídeo de alta precisão ligado a programas gráficos de computador possibilita o recurso do hawk-eye (olho de falcão), que nós brasileiros conhecemos como tira-teima. Um telão instalado na quadra mostra uma animação com o replay da jogada com precisão eletrônica. Cada jogador/dupla tem direito a três desafios por set.


▬ FUTEBOL

Um sistema utilizado pela Fifa na Copa do Mundo mostrava se a bola cruzou ou não a linha do gol. As câmeras enviam imagens para um programa de computador que traça um gráfico e analisa se a bola entrou. Isso ocorreu na Copa 2014, mas não é difundido na modalidade. O avanço tecnológico que se firmou até hoje no futebol é a comunicação eletrônica entre o árbitro central e seus auxiliares. No entanto, a Fifa dá indícios de que a invasão tecnológica é questão de tempo. Em junho, o congresso da entidade aprovou o uso de árbitros de vídeo em alguns países, entre eles o Brasil. Eles ficarão em uma cabine e usarão imagens das transmissões de TV para avisar o árbitro central sobre lances polêmicos. Está em fase de teste.