Após dez anos distante da turma com quem estudou o ensino médio, Calincka Crateús, 25 anos, recebeu uma mensagem de uma das participantes do grupo em uma das suas redes sociais perguntando se ela tinha interesse de entrar no grupo do WhatsApp do colégio. “Eu recusei o convite e expliquei que eu passei muita coisa ruim na escola. Depois disso, eu soube que essa pessoa estava fazendo uso das minhas fotos no grupo, junto com outra pessoa que estudou também comigo. Houve também um menino que pediu minha amizade em 2014 também em uma rede social e eu recusei. Eu não queria saber da vida dele e não queria que soubesse da minha. Então, eu não sei dizer se foi o orgulho ferido da parte dele e por isso que fizeram isso comigo”, explica.

A blogueira e estudante de jornalismo agora recorre à justiça com objetivo de punir os autores de injúrias e difamações no grupo do antigo colégio. 

Ela conta que teve conhecimento das ofensas através de uma amiga no domingo (3). Foram postadas fotos dela e algumas pessoas zombavam e diziam piadinhas, como "Essa aí é recebendo espírito" e "Minha gente, essa foto é de dar medo". Quando soube, a estudante não se calou, produziu um texto para o perfil dela no Facebook, que já teve quase 2 mil compartilhamentos, mas foi retirado da rede social, pois o Facebook alegou que não segue os padrões da comunidade.

Ao saber da difamação, a blogueira resolveu procurar a polícia. “Dessa vez eu não tive medo e não tenho 17 anos. Eu acredito que a justiça vai ser feita, porque não se trata apenas de mim, mas de crianças de Petrolina, Paraná, Mato Grosso, e de pessoas que mandaram mensagens e que passaram também por tudo o que passei", garante Calincka.

Confira os conteúdos do bullying sofrido por Calincka


Veja o que Calincka escreveu na sua página pessoal e foi retirado pelo Facebook


Na terça-feira (5), a estudante foi até a delagacia, onde foi feito um Boletim de Ocorrência (B.O). Vai ser iniciado um processo penal para julgar o crime. De acordo com o  advogado João Gabriel Brito, já foram identificadas quatro pessoas do grupo que agiram com o intuito de injuriar Calincka. “Essas pessoas tinham a intenção de ofender a honra de Calincka. Elas pegavam as fotos sem autorização da página do Facebook dela e colocovam no WhatsApp junto com xingamentos e palavras de baixo calão", afirmou o advogado.

Ensino Médio

Calincka disse que sofreu bullying durante todo o ensino médio e que até cometia infrações para não ter que frequentar as aulas. “Os meninos diziam que eu não era a garota mais bonita da sala e eu só baixava a cabeça e ouvia, fingia não doer. Quando eu não consegui mais suportar, buscava várias estratégias para não ir à escola. Ia com a farda incompleta para voltar para casa, fazia infrações para receber a punição e ficar três dias sem ir ao colégio. Todos os dias eram infernais”, relata.

Os pais de Calincka não perceberam a dor da filha, pois estavam sofrendo com a morte da irmã dela. “Minha mãe não entendia o motivo e eu não podia contar, porque nessa época eu perdi a minha irmã por causa do lúpus. Então, eu tinha que me virar e cuidar dos meus pais emocionalmente, resguardar meu luto, mostrar que eu estava ali e que eles teriam que prosseguir, pois ainda havia uma filha ali. E ainda tinha que ouvir piadas e humilhações. Faziam exclusões, não queriam fazer trabalhos comigo. Eu fazia a maioria dos trabalhos sozinha e sentava só no recreio”, relembra. 

A blogueira relata que o fim do ensino médio foi um alívio e que ao ingressar no curso de Jornalismo da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em Juazeiro, na Bahia, ela sentiu-se muito bem. “Gostei, porque haviam semelhantes, pessoas que gostavam de escrever, de militar, de não passar por cima de ninguém e ajudar o outro. Eram pessoas adultas e estavam todos atrás dos sonhos”, conta Crateús.

Carta aberta para irmã

A jovem mantem um blog pessoal com crônicas do cotidiano, chamado “Toda Linda de Valentino”, em que escreveu no final desta tarde um texto intitulado “Carta  aberta a Camila Crateús”, em que faz um relato pessoal sobre o que a motivou a realizar a publicação e a repercussão.
A carta é direcionada a Camila, irmã de Calincka que faleceu quando ela ainda estava na escola.

Leia, na íntegra, a carta:
CARTA ABERTA A CAMILLA CRATEÚS
Oi minha irmã, você sabe o que está acontecendo? O ensino médio voltou. Eu fui tratada no ensino médio como se eu não devesse existir. Por não estar dentro do padrão de beleza da sociedade e dos colegas que estudaram comigo. Eu não podia dividir a minha dor com mainha e com painho porque eles estavam tentando recomeçar depois da sua partida.

Eu só queria contar, sabe? Eu queria que eles soubessem o que estavam fazendo comigo no colégio. O engraçado é que eles foram ao seu velório. A TURMA ESTEVE NO SEU VELÓRIO. Eles me abraçaram e rezaram um “PAI NOSSO” segurando a minha mão. Eu não queria fazer nada disso, mas painho estava chorando e eu nunca o tinha visto chorar. Então eu pedi forças para conseguir ir até o final do seu enterro sem expulsar ou partir para agressão física.   Eu pensei em nossos pais e pensei que eles até me sedariam. Os anos seguintes me fez sentir inveja de você. Você estava em paz e eu também queria o mesmo. Eu queria sua paz eterna, eu precisava. Eu lanchava no banheiro e acho que você sabia. Todo o dia levantava da cama para ir ao inferno na terra e pensava “enterraram a filha errada”. Todos os dias eu ouvia palavras degradantes e um dia eu decidi me enforcar. Não deu certo.  Foi você que fez mainha voltar para pegar as chaves? Se sim, obrigada.

Eu passei a usar outra forma para sair do colégio. Eu não estudava. Talvez o professor de matemática ache que sou burra de verdade. E então, me colocaram na “aula de reforço”. VOCÊ É INSISTENTE CAMILLA, AVE MARIA. QUE INSISTÊNCIA DE ME FORÇAR A TIRAR NOTA BOA. Obrigada.  Eu  também não falei nada porque eu não queria ser a “coitadinha”.  E NUNCA SEREI. Mas eu queria ser esquecida. O que eu fiz Camilla? Porque a minha aparência incomodava tanto Camilla? Nem em forma de desenho eu entenderei. Eu saí do ensino médio e chorei de alegria. Passei em Jornalismo em 2010 e mudei a minha aparência. Emagreci 25 kg. Mas ainda doía, sabe? Ainda era doloroso lembrar-me de pessoas as quais nunca humilhei. Eu substituí os pensamentos suicidas com a faculdade. Camilla, você acompanhou o meu relacionamento de quatro anos? Se sim, saiba que eu vivi aquela aventura por mim e por você. Mas saiba que reencontrei o seu namorado de adolescência. Ele está orgulhoso por minha coragem. E isto basta.

Quando o relacionamento acabou eu pensei que nunca mais iria ser amada. As inseguranças voltaram. E mais uma vez eu tentei por um fim na minha existência. Não por ele, mas por medo de ser verdade tudo o que me disseram no ensino médio. Eu superei com ajuda psicológica, dos amigos e dos familiares. Eu fiquei em paz viva. Mas eu engordei, no final de 2014 e 2015, porque descobri ter tireóide. Eu sabia que não era a minha culpa e sim do meu corpo. E você sabe, Camilla, que não conseguia dar entrevistas, sair em fotos de corpo inteiro e  arriscar a conhecer outras pessoas. Conhece meus amigos? Eles são lindos, trabalhadores, inteligentes e lutadores. Estão comigo, como você.

Eu não sabia que o ensino médio voltaria. Eu não sabia que teria que ler coisas horríveis ao meu respeito, mais uma vez. O PASSADO ME FAZENDO ARQUITETAR MAIS FORMA DE QUERER MORRER. Já havia um plano, Camilla. Quando li tudo, eu já tinha um plano. O DESABAFO NO MEU PERFIL ERA UM ADEUS. Eu não queria passar por aquilo novamente e estava tentando explicar o motivo. MAS VOCÊ CONSEGUIU QUE A PUBLICAÇÃO VIRALIZASSE E SAÍSSE DO MEU CONTROLE.

Me vi amparada. Me vi querida. Me vi sendo apoiada e eu parei para refletir. Seria egoísmo, seria injusto acabar com a dor com tanto apoio e carinho. Seria anormal, doentio, incorreto e infeliz. Eu poderia punir os algozes tirando deles a reputação de “boa mãe”, “boa aluna”, “bom filho”, “bom marido” e “bom amigo” continuando viva. Eu descobri que você burla todos os meus planos, não é? Você é a menina que roubava planos ruins. Obrigada. Agora eu  cuidarei do meu corpo, mente e coração. O resto? Eu não me importo porque não há coisa pior que saber que não terei sobrinhos,  que não terei você no meu casamento ou gritando meu nome no meio da platéia enquanto eu ergo o meu diploma, livro, filhos. O QUE FIZERAM COMIGO NÃO É NADA QUANDO PENSO QUE VOCÊ FOI EMBORA. Eu te amo. Eu ficarei viva e te prometo que todo apoio que obtive será recompensado com a militância e ajudando outras pessoas. Eu te amo.


Informações: G1-Petrolina/PE